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quinta-feira

Um pícaro sonhador, por Umberto Eco

Se for possível fazer uma análise das obras do escritor italiano Umberto Eco, a síntese não é daquelas muito alegres: Umberto Eco, o criador, ainda não se recuperou de ter escrito uma obra-prima, e tenta, desde 1984 (com o Nobel de Literatura para
O Nome da Rosa), escrever uma história que se sustente mais pelo valor estético do que pelo valor agregado a ela, ou seja, o valor intelectual de seu mentor. Vide seus outros dois romances, O Pêndulo de Foucault e A Ilha do Dia Anterior, exercícios de filosofia e texto pomposo sem enredo empolgante.
Desta vez, no entanto, parece que ele conseguiu se domar. Baudolino, seu quarto e mais novo romance, não é um esplendor, mas diverte e faz pensar como poucos. Também ambientado na Idade Média, Baudolino não se assemelha aos romances históricos populares. Eco não precisou apelar para o vulgarismo das histórias de bruxas e hereges, apimentar o enredo com passagens eróticas, nem descrever com minúcias as batalhas sangrentas das Cruzadas. Preferiu criar mais um pícaro dentro da literatura universal.
É uma decisão um tanto cômoda. Pícaros são figuras divertidas. Elas podem correr aqui, correr ali, cair no erro, mentir, confundir, mas, como quase sempre agem bem-intencionadas graças ao seu bom coração, são perdoadas. São apenas crianças levadas, sem juízo. Todavia,
Baudolino não é nem um livro desagradável nem repetitivo. Não tem gosto de fórmula pré-fabricada. Há nos livros de Umberto Eco uma erudição destilada, um humor fino, uma competência resoluta em contar uma história da melhor forma possível, que faz com que o leitor realmente se sinta privilegiado por conhecer um texto de tanto requinte (subtraia-se da lista principalmente O Pêndulo de Foucault, pedante e nada gostoso de ler).
Aqui a narrativa opera em flashback. Há um narrador-observador que apresenta Baudolino e o homem que ouve suas memórias, um historiador que existiu de fato, chamado Nicetas Coniate. Nosso protagonista vive as maiores aventuras, embora tenha nascido um mero camponês, na província de Frascheta. Exatamente como um pícaro, Baudolino é simplório, mas sobe na vida por golpes miraculosos do destino.
Além de estar quase sempre no lugar certo na hora certa, Baudolino, desde menino, tem um dom mui excelente e utilíssimo: ele consegue aprender qualquer língua ou dialeto, só de ouvir. Com 13 anos salva Frederico Barba Ruiva (Imperador do Sacro Império) da morte quando ele estava perdido nas terras inóspitas e frias dos Alpes Pireneus. A partir daí, ganha sua confiança de modo fraudulento, pois mentia a respeito de visões com santos e anjos. Tornou-se seu protegido, seu filho, seu conselheiro. Foi estudar em Paris, conheceu prostitutas e sábios. Amava a Imperatriz em segredo, escrevia-lhe cartas apaixonadas e sinceras, as quais nunca chegou a enviar.
Só que Baudolino é tão profissionalmente mentiroso que ele acaba por interferir demasiadamente na História com H maiúsculo. Ele confessa a Nicetas a falcatrua que foi sua vida, que incluiu fabricar relíquias falsas, inventar cartas de reis para reis, fazer nascer uma cidade - a cidade natal de Umberto Eco, Alexandria - e salvá-la da destruição imperial (sim, Baudolino defendia seus compatriotas da ira do Barba Ruiva, apesar de o amar com gratidão), planejar e arquitetar fatos baseados em inverdades. Sua aventura mais audaciosa foi sair em busca do reino do Preste João, uma lenda da época que afirmava existir um paraíso, no extremo oriente da Terra, onde todos os homens justos e cristãos conviviam em paz, junto aos seres mais estranhos que Deus havia criado. Baudolino ia resolvendo todos os embaraços da viagem com inteligência, mas não chega até lá. E, ao final, descobre que causou uma desgraça após a outra, pretendendo fazer o bem.
Embora longa e sem um fator central para amarrar a trama, a obra não decepciona os que se permitem ser raptados pelo texto ousado e bonito de Umberto Eco. É só ter um pouco de paciência, porque Baudolino mostra-se simpático, bondoso e envolvente. Mente como ninguém, mas também diz uma verdade silenciosa: a
História, tal como sua vida, pode ser apenas uma farsa erudita.

Baudolino, Editora Record, R$ 34,00

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