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terça-feira

A descoberta de Clarice

Demorei anos para conseguir ler alguma coisa da Clarice Lispector. Não foi falta de oportunidade. Evitei mesmo. Ela é uma dessas figuras que incitam amores e rancores, tal qual um Renato Russo, uma Elis Regina, enfim, gente que vira herói não se sabe bem porquê. No Brasil há herói demais para heroísmos de menos, não gosto dessa mania absurda. E eu sei que estas pessoas são apenas um pouquinho autênticas, e isso faz uma diferença enorme no mundo, tanto é assim que mesmo vivas, já são taxadas de "monstros sagrados". Que bobeira.
Eu não queria gostar de Clarice por causa de sua bela figura, nem pela sua história de vida (por sinal, interessantíssima). Eu queria gostar dela pela obra. E em síntese, fugi das leituras emblemáticas, por demais desgastadas. Adiei o quanto pude Água Viva, A Paixão Segundo G.H. e, pecado maior, vestibulanda que fui, esqueci da leitura obrigatória e ainda não conheço Macabéa (só sei que sofreu muito).
Foi então que prestei atenção na orelha do seu livro de crônicas A Descoberta do Mundo. Decidi que seria melhor conhecer suas crônicas de jornal antes de me aventurar pelo seu mundo, sua Literatura. Naquele momento, pareceu ser a leitura menos apaixonada da estação, e só fui motivada a comprar o livro por causa do preço em relação ao tamanho - lógica própria que sigo de custo/benefício, como se fosse possível medir qualidade pela quantidade. Vai, digam se já não fizeram isso alguma vez?
Pois bem. Acontece que fui tola; ninguém conhece Clarice Lispector pela metade. Ela invade uma simples crônica de jornal com tal força e imponência, que foi difícil para mim parar a leitura. Aquilo não parecia livro de crônica. Porque, mesmo quando a gente encontra um bom cronista, a menos que se queira terminar logo, é possível encontrar brechas para ir tomar um suco, sair de casa, ver um filme. Nem é bem este o fato: o fato é que as crônicas de Clarice fazem qualquer outro escritor parecer falso. Tudo o que ela toca vira ouro; o que ela transpõe em palavras vira bordão. Atenção: isso num jornal. E é com tal força, poder, magnetismo e sensibilidade que eu não encontro paralelos quaisquer, pelo menos na imprensa atual. Ela não tinha vergonha de parecer humana demais, solidária demais (por que isso foi confundido com "feminismo"?)

Eu estava caindo na armadilha, querendo descobrir a pessoa por trás daquilo. Tal qual os grandes escritores fazem.
Existem autores que inauguram um gênero, geralmente subvertendo o anterior. Há outros que trabalham, lutam e penam por fazer uma literatura que sobreviva. E a Clarice não fez muito pela literatura brasileira - quer dizer, do ponto de vista de inaugurar alguma coisa. Ela foi ela, só ela. Isso bastou para que ela permanecesse. Ela é a própria literatura que escreve, nada mais. E o que é mais trágico: sendo "ela" por inteiro, ela conseguiu ser todos nós. Sinceramente, depois de 50 páginas eu fiquei com inveja, e dei graças a Deus por não a ter conhecido antes. Vivi 24 anos feliz por ser "ignorante em Clarice". De certa forma ela mostra o quanto sou medíocre. Eu posso até chegar lá quando escrevo, até posso tocar algumas pessoas - se é que isso é possível, dada minha situação profissional - mas ela teve o mérito de dizer antes e melhor muito do que eu um dia vou dizer.

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sexta-feira

Fina flor da biografia
Ando numa fase "música clássica", como aliás está claro nas mensagens que deixo por aqui. Por isso, achei que era hora de me aventurar por uma biografia de Beethoven. Ainda não li a brochura de Maynard Solomon, o que é uma falha grave. Mas aproveitei o ensejo e, no comecinho do ano, fui atrás do tijolão escrito pelo violoncelista Lewis Lockwood, lançamento de 2005. E, claro, caí novamente de amores por Ludwig, esse compositor-personagem, vítima de tantas especulações.

Minha maior motivação para ler uma biografia* não foi apenas vontade de saber quem seria a "última" Amada Imortal da crítica musical - as amantes de Beethoven mudam com o vento. Quis saber os caminhos que Beethoven percorreu até chegar em sua última e majestosa fase, começando na 9ª Sinfonia, obra que até o ano passado eu execrava. Não conseguia enxergar a maior das obviedades a seu respeito: o misantropo romântico dizia ao mundo, na forma de uma sinfonia mágica, que a vida era difícil, mas que no final todos cantavam juntos a união entre os povos. E, em seguida, voltava a trabalhar em enigmas musicais, fechava-se em seu mundo interior.

É uma baita mensagem brega, essa de união fraternal. Mas faz sentido na biografia de Beethoven escrever um manifesto à fraternidade, uma "ode à alegria", esse que foi pintado como o mais amargo dos compositores, o mais feio, o mais solitário e sofredor. É mérito do livro desconstruir parte desses mitos e evitar definições a respeito de sua vida pessoal, tão carentes de fatos comprovados, sem filhos, sem rastro.

O autor reconhece a dificuldade de se produzir um relato sobre alguém que insiste em ficar na sombra, revelado a conta-gotas por cartas, dedicatórias, frases musicais. Beethoven pensava de um jeito e agia de outro; queria independência para produzir, mas mendigava a benevolência sazonal de nobres e amigos. No âmbito familiar, assumiu posturas radicais. O livro prova que conhecer Beethoven pela música é talvez o método mais seguro de se chegar à sua vida e pensamento.

* gênero mórbido movido pela curiosidade; peca pelo exagero, que se transforma em mentira

Beethoven, A Música e A Vida, de Lewis Lockwood, 681 p., R$ 75

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quarta-feira

Batutas e piruetas

Havia lugares vagos na Sala São Paulo ontem. Não muitos, na realidade. Comparando com outros concertos deste ano, a Osusp ontem atraiu mais gente que de costume, provavelmente porque muitos vieram conferir a apresentação dos primeiros resultados do programa "Academia", que de acordo com o maestro e diretor artístico Carlos Moreno, é "primordial" para manter forte a pulsação da Sinfônica da USP. E o público saiu feliz: Moreno impressiona pelo estilo de regência, sempre dinâmica e empolgante, com toques de teatralidade. É um ator com uma batuta na mão, isso quando a batuta não cai, como sempre acontece... Ontem ela rodou no ar e caiu próxima às violas. É divertido ver concerto do coro (de frente para o maestro); a platéia perde qualquer coisa que só é notada pela troca de olhares entre regente e músicos... Mas não vem ao caso.
Talvez por ter reunido uma boa quantidade de gente ainda visivelmente leiga em concertos (palmas efusivas a cada término de movimento), Moreno fez dois "bis" - coisa rara - e, como bem frisou minha irmã, "só faltou dar o Duplo Twist Carpado da Daiane", ou seja, explorou ao máximo sua verve dramática, acionando movimentos corporais a cada colorido diferente na orquestra. Nunca vou esquecer o "calafrio" que ele interpretou no final de uma frase do "Concerto Duplo para Violino e Violoncelo" de Brahms. Às vezes é exagero puro, mas de qualquer forma eu gosto do regente. Mais do que isso, eu gosto demais da Osusp, é uma orquestra de muitas qualidades - ontem as cordas estavam irrepreensíveis, beiraram à perfeição na "Serenata para Cordas", de Tchaikovsky. Belo trabalho.

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