Meu nome é Olívia Fraga, gosto de ler e é só isso que você precisa saber.
 
  * olifraga@gmail.com
Ah, a inteligentsiaPauta para Gilda Mattoso, autor...
Para iniciadosO ano começou bem no campo literário...
Leia de novoMas toda a lenga-lenga do post abaixo ...
Um péssimo ano para os livrosNão, não! Nem me atre...
Recortes de tempoJá em 1992, o Conservatório Dramá...
É bom, mas é ruimPreciso saber por que adoro odiar...
Esquerda X DireitaO candidato da esquerda tem amig...
The next worst thing, ou a sublimação pela arteÉ t...
Comida é pastoE não é que a culinária domina atual...
Às vezes eu perco a noção do ridículo. Perdoem pel...
 
 
 
  * outubro 2004 * novembro 2004 * fevereiro 2005 * março 2005 * abril 2005 * julho 2005 * agosto 2005 * novembro 2005 * março 2006 * julho 2006 * agosto 2006 * setembro 2006 * outubro 2006 * novembro 2006 * dezembro 2006 * janeiro 2007 * fevereiro 2007
 
  * Só Aborrecimento
* Chão
* Desagradável
* No Mínimo
* Jesus, Me Chicoteia




sábado

Ah, a inteligentsia


Pauta para Gilda Mattoso, autora do livro Assessora de Encrenca:

- Muito prazer, Gilda. Sou uma mera mortal, não tenho metade dos amigos que você tem. Mas me diga: o que a motivou a escrever um livro de quase 200 páginas sobre a quantidade de pessoas importantes que você conhece?
- Qual a participação do seu irmão na feitura do livro, já que metade dele parece ter sido extraído de um diário?
- Por que o apreço pelas pa
lavras “enfim” e “assim”, usadas a torto e a direito na obra?
- O livro sofreu alguma edição final? Poderia dizer por que ele repete fatos, nomes e referências de quando em quando?
- No início a senhora cita “Eusébio de Queirós Mattoso”, seu antepassado, um homem que faz parte da história brasileira, o homem que assinou a lei que aboliu o tráfico negreiro. No parágrafo seguinte, diz que nada significam as credenciais, que cada um faz sua própria história. A senhora vê alguma incongruência aí?
- Não é constrangedor escrever um livro de memórias com memórias de terceiros?



3 comentários


Para iniciados



O ano começou bem no campo literário e eu, que andava desgostosa da vida, descobri um belíssimo romance de Vladimir Nabokov escrito em 1969. Ada ou Ardor: Crônica de uma família veio depois de Lolita e, segundo o ensaio da edição que li (Companhia das Letras, R$ 61), fez um tremendo sucesso no começo dos anos 70. Em seguida, foi esquecido pela crítica, que considerava a narrativa fantasiosa um mero estepe para segurar um obra sem profundidade.



Discordo.



O epitélio é uma história de amor em forma de romance, um memorial de família a partir do incesto repetido em duas gerações, quase nas mesmas circunstâncias. Resumir enredos não é lá minha especialidade – nem do meu gosto – mas vale aqui mencionar os fatos: estamos no final do século XIX, observando uma família de aristocratas. Van Veen é o narrador que se mantém afastado da narrativa mas que entra na história quando Ada, sua irmã / prima / amante comenta a obra, no final de parágrafos, entre parênteses. Ada lê o livro junto com o leitor. Recomenda alterações, elogia.

Van e Ada vivem uma paixão de décadas repetindo a tragédia vivida por seus pais, envolvidos em um triângulo amoroso entre duas irmãs e dois irmãos, também primos entre si. O amor de Ada e Van, que são mais do que “almas gêmeas” (para mim, são as mesmas pessoas vivendo com sexos diferentes) não é apenas vergonhoso. Ele é egoísta, louco, cruel. Consegue destruir Lucille, irmã mais nova de Ada, talvez a personagem mais importante da história, que adora Ada, que ama Van. Lucille, a beldade ruiva deixada para trás, fica perdida entre o desejo agudo de dois amantes e uma família abastada que parece fadada aos mesmos erros.



Ada é um livro de disfarces, de uma engenhosidade que surpreende o leitor até o final. Não é preciso mergulhar muito para perceber as incongruências de um relato aparentemente “realista” (o autor engana muito bem ao travesti-lo de romance realista). O primeiro parágrafo do livro consegue, de uma tacada só, subverter a abertura de Ana Karênina, citar uma editora que não existe e colocar uma “micro-Rússia” no coração dos Estados Unidos. Em Ada, a Terra é um planeta que só existe na imaginação dos homens. A menos que alguém queira se dar ao trabalho de conferir todos os dados lançados de forma displicente na história (fatos, nomes de lugares) como supostas “verdades do senso comum”, é impossível não cair na teia de Nabokov. Você pensa “bom, é ficção, tá valendo”, mas poderia não ser – claro, a idéia aqui é dizer “não é nem ficção, é mentira, e você está comigo nessa”. Armadilha infalível, a de Nabokov. São raros os livros em que o pressuposto da verossimilhança seja tão “homeopaticamente” agudo, tão radical.

Ensaio sobre o tempo, crônica familiar, obra de ficção científica, com direito a viagens espaciais e microcósmicas nas asas de borboletas. Na “Antiterra”, local onde se passa a trama, Ada seria considerada obra do realismo fantástico. É tudo isso, e ainda é fantasticamente bom.

0 comentários

Design: Marcio Caparica