Meu nome é Olívia Fraga, gosto de ler e é só isso que você precisa saber.
 
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sábado

Toleimas e solertes

Difícil alguém ser capaz de tocar a alma como Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas.

Estamos em 2006 e sou filhote de cidade grande; homens e mulheres ligados ao sertão estão desaparecendo do mapa. A televisão nos deixou burros e envergonhados de nossas origens. Mas quem se arrisca a percorrer as veredas escritas há 50 anos descobre-se encantado.
Estava em Trancoso quando terminei de ler Grande Sertão: Veredas (Ed. Nova Fronteira, 624 p., R$ 59). Talvez por estar longe de casa, meio solitária, aquelas últimas páginas me deixaram triste. Chorei pelo amor desconsolado de Riobaldo e Diadorim, embora já conhecesse o final da história. Foi meio mágico. Se tivesse terminado de ler aqui em São Paulo é possível que não tivesse me ocorrido o que me ocorreu lá. Pois eu descobri que conhecia Guimarães Rosa desde a infância.
A partir dos seis anos, passava as férias no sítio dos meus avós, no sul de Minas Gerais. E
o sítio, para mim, era uma fuga dolorida da realidade. Dolorida porque era um martírio chegar lá. Antes mesmo de entrarmos no carro para viajar, as brigas começavam. A viagem era um constrangimento: todo mundo apertado, toneladas de comida, colchão em cima do carro e uma estrada cheia de curvas. Daí nós chegávamos e para mim era como um encantamento. Eu entrava em outra sintonia. O mau humor da viagem virava choro, silêncio, e de repente mudava para alegria, uma alegria muito "mineira", contida.
Os dias passavam devagar. A criançada subia em montanhas, tomava banho de cachoeira, de chuva, andava até os limites do suportável. Os adultos conversavam, comiam, dormiam. Meu pai saía de jipe em busca de um barranco enlameado para se divertir. Na hora de voltar para São Paulo, a mesma confusão famliar, melancolia e cheiro de mato.
Eu e minha irmã fizemos amizade com as filhas de um fazendeiro, e íamos toda tarde brincar lá. O caminho acompanhava o riacho que nascia dentro do sítio da avó. O riacho ia descendo e nós passávamos por mato alto, depois por relva verde, entre gado e galinhas d'angola. O caminho era lindo demais, tão querido por nós quanto as horas que passaríamos com elas pulando corda ou brincando de amarelinha.
Eu nunca soube definir o que se passava comigo no sítio. Ainda hoje sinto um apego desmedido por aqueles anos. O máximo que consigo verbalizar daquelas experiências está numa canção do Milton Nascimento ("Fazenda").
Grande Sertão: Veredas é um livro majestoso. Tem o gosto da minha infância. Lê-lo foi como lembrar de tudo, das andanças, de ficar queimada de sol e do frio que fazia à noite, da hipnose que me provocava ver aquele riacho descer pela montanha, da sensação esquisita de ter de voltar para casa, um "homesick" às avessas.

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